“Você não quer ficar com a Flora?”
Fazia uns bons minutos que eu olhava para a tela do celular. A mensagem tinha me pegado de totalmente de surpresa. Uma colega de trabalho havia adotado uma cachorrinha fazia alguns meses e a gente já tinha conversado sobre ela bem rapidamente, porque a bichinha simplesmente destruía tudo e gritava desesperada quando ficava sozinha em casa.
Sabendo que eu era louca por cachorros, a colega me perguntava o que ela poderia fazer. Tinha sugerido uma ida ao veterinário, um adestrador… Mas, por algum motivo, as crises da cachorra se agravaram e minha colega sentia que não dava mais conta de cuidar dela.
Por algum motivo, eu tinha virado a conselheira animal do meu trabalho. Sempre que alguém precisava de ajuda com seus pets, vinha me perguntar o que fazer (talvez eu pudesse transformar isso em um negócio?). Agora, pedir para adotar um cachorro era novidade.
Não soube o que responder na hora. Já estava com dois cães grandes - um vira-lata e uma pastora alemã que são a alegria dos meus dias. Não vou mentir que tinha vontade de adotar mais um cachorro, pequeno, desses que grudam em você e te seguem por todo lado. Desde a partida da minha cachorra idosinha, que foi meu grude enquanto a saúde permitiu, sentia falta de um cãozinho menor. Já tinha olhado alguns em perfis de abrigos, mas sem sentir aquele chamado, aquele estalo, quando você pensa “é esse!”.
E agora eu olhava para a foto de uma cachorra, deitada com ar de superioridade em um sofá, como se me olhasse pela tela de cima a baixo, dizendo “você é patética”.
MInha colega argumentava que morava em um apartamento pequeno, que a cachorra precisava de mais espaço e disponibilidade para gastar energia, e acima de tudo, que precisava de companhia. Até o namorado dela já tinha dito que a bichinha se daria melhor em uma casa. Tendo esgotado as outras opções de pessoas que poderiam ficar com ela, tinha me mandado a mensagem. A outra alternativa, que ela queria evitar, era a devolução ao abrigo.
Pensei em tudo que a Flora deveria estar sofrendo, a ansiedade de separação, a carência, a falta de espaço. Não era justo que ela passasse por mais uma dor, a de ser devolvida.
Trouxe a pequena pra casa.
Que Flora era ansiosa deu pra ver no momento em que fui buscá-la. Enquanto descíamos as escadas com as coisas dela para colocar no carro, os gritos eram tão altos que se escutava até chegar do outro lado da movimentada avenida onde minha colega morava.
A esperança era que, com meus dois cachorros de companhia, mais a nossa, a Flora se acalmasse. Ou, que tendo espaço para correr e brincar com seus futuros irmãos adotivos caninos, ela se cansasse e não sentisse mais o desespero de ficar entediada o dia todo.
Ledo engano.
Bastava eu sair de casa para ir até o mercadinho da esquina, com o restante humano e canino na casa, para Flora se esgoelar de tanto gritar. Pra nossa sorte, ela rapidamente se adaptou aos outros cães e logo os três estavam correndo pela casa, subindo e descendo as escadas, brincando de lutinha pelo chão. Flora ficava mais cansada, mas não suportava ficar sem uma das pessoas da casa perto dela.
Sair para trabalhar era um desafio, mas ela precisava se acostumar. Passamos a voltar na hora do almoço para ficar perto dela, e numa dessas vezes escutei um barulho esquisito. Pareciam passos. No telhado da garagem? Peraí, tem alguém andando no telhado?
Olhei pra cima. Vi apenas a cabecinha da Flora dando gritinhos de contentamento. Meu coração congelou. Se ela pulasse dali, era o fim. Fingi costume, abri o portão o mais rápido que pude, mas sem gritar ou fazer nenhum movimento mais brusco, entrei e chamei por ela. A sorte foi que, ansiosa por me ver, Flora voltou por onde veio e não tentou pular do telhado pra encurtar o caminho. Nossa rotina passou a ser descobrir como Flora poderia parar no telhado da garagem novamente e inventar maneiras de tirar as rotas de fuga dela.
Segui meu próprio conselho e levei a Flora ao veterinário, porque ficou claro que o problema não era nem a solidão nem o espaço. E esse foi só o começo de uma longa jornada que ainda não terminou. Vai precisar de uma newsletter inteira pra contar como tem sido essa jornada.
Aos poucos, a personalidade da Flora foi se revelando: uma cadela voluntariosa e autoritária, muito possessiva e extremamente carente. Anda pela casa de peitinho estufado e batendo as patinhas no chão, exigente e chatinha. Parece uma patricinha, e patricinha pobre ficou sendo seu apelido.


Flora ama passeios longos, e ama passear no shopping, como boa patricinha que é. Brincamos em casa que, se fosse humana, certamente seria fã de Taylor Swift - e não é que a danada gosta quando colocamos pra ela ouvir? Fica tão relaxada que até dorme.
Também ama usar roupinhas e acessórios. Imagino que ela fala tudo no diminutivo, e tem uma voz de menininha enjoadinha, então sempre imagino que ela quer “acessoriozinhos de moda e roupinhas novas”. Sente muito frio e sua posição preferida para dormir é a famosa “rosquinha”, com o focinho enfiado debaixo de algum cobertor.
É a única patricinha sem frescura pra comer que conheço - e comer é uma de suas atividades preferidas. Isso e fazer amizades - afinal, como boa patricinha aspirante a blogueirinha, Flora precisa fazer uma média com seus seguimores.
É amorosa, muito companheira, e gosta de estar encostada sempre em alguém, seja seus humanos ou seus cachorros - bom, acho que não é ela que é nossa. Nós é que somos dela.
Por ser tão pestinha e ao mesmo tempo são fofa, penso que Flora é uma pimenta. Uma pimentinha bem doce.
Hoje faz um ano que Flora veio morar conosco. Não vou esquecer da data porque lembro de ter pensado que seria uma boa ideia começar a adaptação com os dias de folga do feriado.
Este é seu novo aniversário - a comemoração de uma nova vida, de uma nova chance, o dia em que ela nasceu para nós.
Flora nem de longe era a cachorra que eu queria adotar. Não senti nenhum estalo, nenhuma intuição, nunca pensei “É essa!”. Mas de alguma forma, trazê-la para nossa vida era a coisa certa a ser feita, e tudo que aconteceu neste último ano é prova disso.
Apenas agora, um ano depois, é que Flora sente que este é seu lugar, esta é sua casa. Tomou posse de tudo e de todos, e sabe que é onde pertence. Animais vindos de abrigos tem essa personalidade meio indecifrável, passaram por muita coisa e precisam de tempo, paciência e amor. Essa foi uma das lições que a convivência com a Flora me ensinou.
Se quando soube dela nem imaginava que rumo nossa história tomaria, hoje não me imagino vivendo sem minha pimentinha. Quero levá-la a todos os lugares, mostrar-lhe o mundo, dar a vida de patricinha canina que ela pode ter.
Flora passou por muita coisa até chegar aqui e merece o mundo. Todos os cães abandonados merecem o mundo.
E, assim como a Flora, tudo o que eles precisam é de uma chance.
O Brasil tem mais de 132 milhões de cães e gatos abandonados. Destes, cerca de 180 mil vivem em abrigos esperando por uma chance. Outros, abandonados nas ruas e largados à própria sorte, também esperam pela mão estendida que os tirem da crueldade do abandono.
Considere adotar um pet abandonado. Considere dar lar temporário aos que não encontram mais espaços em abrigos. Ou ainda, se você não pode adotar por algum motivo, considere apadrinhar cães e gatos de abrigos e ajudar com suas despesas por um pequeno valor mensal. Pode ser pouco, mas ajuda a salvar essas vidinhas e faz toda a diferença pra eles.
E lembre-se: pode não ser possível mudar o mundo, mas é possível mudar a vida de alguém. Tudo o que a gente precisa é fazer o que puder.
Indicações de abrigos e ONGs confiáveis e que precisam de ajuda:
Procure conhecer os abrigos e ONGs da sua cidade! Faça a diferença!
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A história da Flora é longa. Acompanhe os próximos episódios! Até lá!
Com amor e patinhas,
nhóóóóóóim
Quase chorei no trabalho lendo esse texto super fofo <3